2010/01/30

Portugual e as suas comunidades

É o início de mais um ano. Um ano, que como todos os que o procederam, será assinalado por uma amalgama de eventos que marcarão as nossas vidas individuais e colectivas. Nas nossas comunidades de origem portuguesa do estado da Califórnia, será, indubitavelmente, mais um ano de transição para as novas comunidades. A tal metamorfose que andámos a falar há anos. E apesar de ser íngreme reflectir-se as nossas comunidades em voz alta, faço-o neste espaço porque há muito que me habituei a pagar o preço dessa factura.
Em 2009, tivemos um pouco das mesmas actividades e vivemos os mesmos dilemas que há anos nos circunscrevem como comunidades étnicas no multiculturalismo californiano. Lamentámos as mesmas vicissitudes e pouco ou nada fizemos para as modificar. Daí que para olharmos a 2010, não seria má ideia, fazermos uma retrospectiva a 2009 e relembrarmo-nos alguns dos assuntos que estiveram na ribalta das nossas pequenas praças públicas.
Um dos assuntos que marca as nossas comunidades, além das habituais festas, que são importantes para o espírito social que temos, foi, o das relações Portugal/Comunidades. Como se sabe Portugal, e os seus sucessivos governos, ora do centro/direita ora do centro/esquerda, tem tido um relacionamento dificultoso como todas as suas comunidades, mas a dos Estados Unidos, e a da Califórnia em particular, tem sido extremamente complexo.
Por um lado as comunidades da Califórnia estão, como se sabe, geograficamente bastante dispersas. Desde Arcata no norte a San Diego no sul, vivem pequenos núcleos de portugueses e luso-descendentes que ainda têm algum relacionamento com Portugal e com a cultura do seu país de origem ou do país dos seus antepassados. Mas este facto ainda hoje continua despercebido por Portugal e muitos dos seus políticos e governantes ligados à temática das comunidades. Daí que ainda se auscultam clamores do terreiro do paço (que para muitos de nós não representa mais do que um termo caricato) a verbalizarem, e em voz bem alta na comunicação social, que fizeram uma visita às comunidades da Califórnia, quando apenas estiveram numa cidade ou numa região.
Caso para relembrar o actual Secretário de Estado das Comunidades, que esteve em San Diego, mas para ele, esteve na Califórnia. Se é verdade que esteve numa cidade da Califórnia, por sinal uma das cidades mais bonitas da Califórnia (não sei se já repararam mas nunca escolhem as mais feiinhas) e uma das que mais gosto, estar em San Diego, ou outra cidade onde vivem portugueses durante uns dias não lhes dá direito a dizer, nem a ele nem a ninguém, que conhecem as comunidades da Califórnia. Permitam-me abrir um parêntese para relembrar dois episódios anedóticos que vivi com os “peritos” que nos visitam.
Já lá vão uns anos (talvez uns 15) que na cidade de São José, num congresso da Luso-American Education Foundation, tive uma longa conversa com uma entidade dos Açores que vinha frequentar o evento, um dos raros eventos de reflexão que ainda temos nas nossas comunidades. Após os cumprimentos iniciais, começámos a travar um debate sobre as nossas comunidades. Pouco falei, porque o dito político, na altura Secretário Regional, que tinha visitado a Califórnia 4 vezes, dois a três dias de cada vez, daí que já estava licenciado em sociologia comunitária. Chegou ao ponto de me dizer como eram as nossas comunidades e como seriam no futuro. Porque, como se diz na minha ilha (por sinal a mesma do dito politico pseudo-intelectual) faltou-me a pachorra, apenas retorqui: dou-lhe os parabéns pela sua super inteligência, é que vivo nesta comunidade há (hoje mais uns anitos) 26 anos e estudo-a há mais de uma década e não tenho metade das certezas que o senhor tem. Os meus parabéns por em meia dúzia de dias perceber mais destas comunidades do que muitos de nós em décadas de vivências, activismo e observação. Escusado será dizer que não ficámos muito amigos. Mas creiam que é esta atitude que, infelizmente, ainda prevalece na maioria dos casos das relações Portugal/Comunidades.
O outro “incidente” foi numa sessão com entidades americanas e uma delegação vinda das nossas ilhas, daquelas que, ano após ano, por estes lados aparecem para vender as suas festas. Nesse dito encontro foi-me dito, por um outro “perito” que era impressionante como os portugueses tinham uma forte presença no mundo Californiano o que não acontecia com outros grupos étnicos, como por exemplo os mexicanos. Tentei não ser totalmente indelicado, embora tenha pouca paciência para a mediocridade embrulhada num inadmissível e extremamente barroco eurocentrismo. Daí que perguntei que me explicasse o que queria dizer com tal afirmação de que os portugueses tinham construído muito mais do que os mexicanos, ao que me respondeu: Olhe para as cidades onde vivem portugueses lá está um salão do Espírito Santo, e em algumas cidades outros edifícios para bandas, os clubes desportivos e não se vê isso nos mexicanos. Acreditem que o que citei parece anedótico, mas não é.
Primeiro, sou um admirador das obras das nossas comunidades. Os salões do ES e os outros edifícios merecem o nosso respeito, a nossa admiração e o nosso apoio. Porém como dizem os meus alunos, nada de misturar laranjas com maçãs. É que, se é verdade que a comunidade mexicana não tem um salão em cada localidade, tem sim uma influência extraordinária em todos os aspectos da vida deste estado e deste país. Sem entrar nas explicações que são desnecessárias para quem cá vive, trabalha e reflecte, citei este caso, concreto (um caso da vida real como diz uma prima minha) para vermos como é dificultoso o relacionamento Portugal/Comunidades.
Sem entrarmos em simplismos exagerados, diga-se a bem da verdade, que Portugal, e a vasta maioria das pessoas que nos visitam ligadas a agências governamentais, pouco ou nada entendem das nossas vidas, do nosso mundo entre dois mundos, das realidades que marcam as nossas comunidades em todo o estado da Califórnia. É que na minha perspectiva, que admito ser muito minha e um bocado fora da ortodoxia, não precisamos que nos digam, nem que somos os melhores de todos os emigrantes, melhores do que os nossos vizinhos e amigos que vieram de outras terras, detentores de outras culturas e com os quais comungamos o sonho americano, nem que por cá apareçam uns dias para se licenciarem em “doutores das nossas comunidades.”
Será 2010 o ano em que as comunidades de origem portuguesa no estado da Califórnia tomarão de uma vez por todas uma posição nesta matéria? Seria muito bom que finalmente as nossas comunidades, com todos os seus talentos, tivessem a palavra que precisam ter no relacionamento Portugal/Comunidades.