2012/12/15


A América Chora!

 

A presença das crianças cura a alma.

Provérbio Inglês

 


            Estou profundamente triste.  Tal como para a maioria dos americanos, e de muitas pessoas à volta do mundo, a sexta-feira, 14 de Dezembro, foi um dia visceralmente amargo.  Mais um massacre nos Estados Unidos.  Mais um acontecimento brutal.   Como pai e avô, o meu coração chora.  Como cidadão e professor preocupado com o progresso humano, mas particularmente o bem estar das crianças inocentes, a minha alma dói.  É que a tragédia na escola primária de Connecticut, é ainda mais um sinal, claro e inequívoco, da inerente violência que vivemos. quotidianamente, na sociedade americana.  Doí-me, muito mesmo, ter ainda mais uma vez, que refletir sobre a amalgama de medidas legislativas (ou falta delas) que nos levam a estas catástrofes, particularmente em torno da morte de 28 pessoas, 20 da quais miúdos inocentes.   Dói-me, que continuamos a extorquir o futuro às nossas crianças. 

            A horrenda carnificina no estado de Connecticut, não foi, infelizmente, uma ocorrência única.  Neste ano de 2012 aconteceram nos Estados Unidos 16 atos semelhantes, deixando 88 pessoas mortas e dezenas feridas.  Estas tragédias aconteceram, infelizmente, nos mais variados lugares, tais como: teatros, clubes, hospitais, restaurantes, centros comerciais, igrejas, tribunais, torneios de futebol e agora numa escola primária.  Até quando é que vamos tolerar esta violência? 

            Acabámos de ver 20 crianças, com 6, 7 e 8 anos, ceifadas da vida, inúmeras famílias destruídas, num ato extremamente selvagem.  As estatísticas mais recentes dizem-nos, que aqui nos EU, desde 2010,  um total de 2694 crianças e jovens foram abatidas a tiro.  Desde 1979, o total de 119,079 crianças e jovens foram mortos por armas de fogo neste país.  Este número, verdadeiramente apavorante, representa mais mortes do que os 53, 402 americanos que perderam a vida na segunda guerra mundial, os 47,434 na guerra do Vietname, 33,738 na guerra da Coreia e os 3,517 na guerra do Iraque.  E sejamos honestos, a morte de inocentes persistirá neste país, enquanto continuarmos a defender as armas em vez dos seres humanos. 

            No seu comovente discurso perante o país, o Presidente Barack Obama falou das várias tragédias que temos vivido nos últimos anos e disse que temos que nos "unir, e política à parte, trabalharmos para prevenir outras fatalidades semelhantes."  Penso que chegou o momento para o povo americano cessar este namoro constante com as armas.  Há que exigir da classe política um debate sério e legislação agressiva que enfrente esta epidemia que é a violência com armas de fogo.  Infelizmente, isso não tem acontecido e enquanto não houver leis sérias e fiscalização, repetir-se-ão estas calamidades. 

            É que a catástrofe na escola primária Sandy Hook, não foi, como se disse, um acontecimento solitário na história da violência com armas de fogo aqui nos Estados Unidos.  É, infelizmente, o resultado da nossa imoral negligência coletiva, da exacerbada presença de armas na sociedade estadunidense; de uma cultura popular que louva a violência e a ganância; de uma segunda emenda à constituição que é erroneamente interpretada; de um lóbi em Washington, pela parte do movimento das armas, que é quase imparável, porque possui milhões de dólares e sabe ferver os instintos mais rudimentares dos cidadãos menos preparados e menos informados e também pela inércia do Partido Democrático em colocar na ribalta legislação que impacte a realidade da violência com armas de fogo no seio da sociedade americana.  Sim, o Partido Democrático, porque o Partido Republicano há muito que dorme na mesma cama com o lóbi das armas nos Estados Unidos, o NRA-National Riffle Association.

            De hoje em diante o Natal na comunidade de Newtown, estado de Connecticut será diferente.  É quase inimaginável o sofrimento de tantos pais, avós, irmãos, tios e primos.  Para muitas famílias a inocência desta época desapareceu para sempre.  As celebrações natalícias foram substituídas pela dor e pelo luto.  Com o tempo, as feridas saram, como acontece em tudo na vida, mas a plangência e o sentimento de um profundo vazio, permanecerão nas vidas de cada família.  Porém, esse sentimento, será ainda mais amargurado se como sociedade não soubermos, ou não tivermos a coragem, de passar legislação que enfrente a violência.  Não podemos, nem devemos reagir como o fizemos em Colombine, em Virginia Tech ou mesmo em Aurora, ou seja: ficarmos tristes, chorarmos a dor e abraçarmos as nossas crianças.  Temos a obrigação de fazer mais.  Não podemos continuar a viver com estatísticas tão apavorantes como as que indicam que a violência provocada por armas de fogo nos EUA é 20 vezes superior á de qualquer outro dos dez países mais ricos do mundo.  Todas essas outras nações com leis muito mais restritas.  É assustador que de todas as crianças e jovens mortos no mundo por armas de fogo, 87% são americanos.

            É importante que choremos a dor, que abracemos os nossos filhos e netos, que rezemos e que tenhamos sentimentos de amargura e de raiva.  Mas não é menos importante tomarmos o futuro nas nossas mãos e utilizarmos todos os nossos recursos para assegurarmos que estes acontecimentos tenham menos ocorrência.  É que, segundo as estatísticas, infelizmente, durante as 72 horas seguintes ao massacre da escola primária de Newtown, outras tantas pessoas perderam as suas vidas em terras do tio Sam vitimas de armas de fogo. 

            Que estendamos, com solidariedade, os nossos corações às famílias vitimas, mas que, simultaneamente, ergamos as nossas vozes contra o perversidade das armas, porque se não o fizermos continuaremos a morrer, particularmente as nossas crianças e os nossos jovens continuarão a desaparecer.  Há que acordarmos da nossa letargia coletiva.  É que ao contrário das parvoíces que se diz por aí, particularmente na comunicação social conservadora e ecoadas pelos menos informados nas plataformas sociais, as armas matam.  Nos EUA matam 87 pessoas todos os dias.  Na fatídica sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012, mataram 20 crianças.

            A América chora.  Que as lágrimas se transformem em movimento aglutinador que provoquem mudanças na nossa sociedade para hajam menos tragédias desta natureza, menos mortes, menos prantos. As nossas crianças têm que viver numa América mais pacifica.  É que como disse algures Nelson Mandela: "devemos às nossas crianças, os nossos cidadãos mais vulneráveis, uma vida sem violência e sem medo".  
 
Fotos da Associated Press