A
América Chora!
A
presença das crianças cura a alma.
Provérbio
Inglês
Estou
profundamente triste. Tal como para a
maioria dos americanos, e de muitas pessoas à volta do mundo, a sexta-feira, 14
de Dezembro, foi um dia visceralmente amargo.
Mais um massacre nos Estados Unidos.
Mais um acontecimento brutal.
Como pai e avô, o meu coração chora.
Como cidadão e professor preocupado com o progresso humano, mas
particularmente o bem estar das crianças inocentes, a minha alma dói. É que a tragédia na escola primária de
Connecticut, é ainda mais um sinal, claro e inequívoco, da inerente violência
que vivemos. quotidianamente, na sociedade americana. Doí-me, muito mesmo, ter ainda mais uma vez,
que refletir sobre a amalgama de medidas legislativas (ou falta delas) que nos
levam a estas catástrofes, particularmente em torno da morte de 28 pessoas, 20
da quais miúdos inocentes. Dói-me, que
continuamos a extorquir o futuro às nossas crianças.
A
horrenda carnificina no estado de Connecticut, não foi, infelizmente, uma
ocorrência única. Neste ano de 2012
aconteceram nos Estados Unidos 16 atos semelhantes, deixando 88 pessoas mortas
e dezenas feridas. Estas tragédias
aconteceram, infelizmente, nos mais variados lugares, tais como: teatros,
clubes, hospitais, restaurantes, centros comerciais, igrejas, tribunais,
torneios de futebol e agora numa escola primária. Até quando é que vamos tolerar esta
violência?
Acabámos
de ver 20 crianças, com 6, 7 e 8 anos, ceifadas da vida, inúmeras famílias
destruídas, num ato extremamente selvagem.
As estatísticas mais recentes dizem-nos, que aqui nos EU, desde
2010, um total de 2694 crianças e jovens
foram abatidas a tiro. Desde 1979, o
total de 119,079 crianças e jovens foram mortos por armas de fogo neste país. Este número, verdadeiramente apavorante,
representa mais mortes do que os 53, 402 americanos que perderam a vida na
segunda guerra mundial, os 47,434 na guerra do Vietname, 33,738 na guerra da
Coreia e os 3,517 na guerra do Iraque. E
sejamos honestos, a morte de inocentes persistirá neste país, enquanto
continuarmos a defender as armas em vez dos seres humanos.
No seu
comovente discurso perante o país, o Presidente Barack Obama falou das várias
tragédias que temos vivido nos últimos anos e disse que temos que nos
"unir, e política à parte, trabalharmos para prevenir outras fatalidades
semelhantes." Penso que chegou o
momento para o povo americano cessar este namoro constante com as armas. Há que exigir da classe política um debate
sério e legislação agressiva que enfrente esta epidemia que é a violência com armas
de fogo. Infelizmente, isso não tem
acontecido e enquanto não houver leis sérias e fiscalização, repetir-se-ão
estas calamidades.
É que a catástrofe
na escola primária Sandy Hook, não foi, como se disse, um acontecimento
solitário na história da violência com armas de fogo aqui nos Estados
Unidos. É, infelizmente, o resultado da
nossa imoral negligência coletiva, da exacerbada presença de armas na sociedade
estadunidense; de uma cultura popular que louva a violência e a ganância; de
uma segunda emenda à constituição que é erroneamente interpretada; de um lóbi
em Washington, pela parte do movimento das armas, que é quase imparável, porque
possui milhões de dólares e sabe ferver os instintos mais rudimentares dos
cidadãos menos preparados e menos informados e também pela inércia do Partido
Democrático em colocar na ribalta legislação que impacte a realidade da violência
com armas de fogo no seio da sociedade americana. Sim, o Partido Democrático, porque o Partido
Republicano há muito que dorme na mesma cama com o lóbi das armas nos Estados
Unidos, o NRA-National Riffle Association.
De hoje
em diante o Natal na comunidade de Newtown, estado de Connecticut será
diferente. É quase inimaginável o
sofrimento de tantos pais, avós, irmãos, tios e primos. Para muitas famílias a inocência desta época
desapareceu para sempre. As celebrações
natalícias foram substituídas pela dor e pelo luto. Com o tempo, as feridas saram, como acontece
em tudo na vida, mas a plangência e o sentimento de um profundo vazio,
permanecerão nas vidas de cada família.
Porém, esse sentimento, será ainda mais amargurado se como sociedade não
soubermos, ou não tivermos a coragem, de passar legislação que enfrente a
violência. Não podemos, nem devemos
reagir como o fizemos em Colombine, em Virginia Tech ou mesmo em Aurora, ou
seja: ficarmos tristes, chorarmos a dor e abraçarmos as nossas crianças. Temos a obrigação de fazer mais. Não podemos continuar a viver com estatísticas
tão apavorantes como as que indicam que a violência provocada por armas de fogo
nos EUA é 20 vezes superior á de qualquer outro dos dez países mais ricos do
mundo. Todas essas outras nações com
leis muito mais restritas. É assustador
que de todas as crianças e jovens mortos no mundo por armas de fogo, 87% são
americanos.
É
importante que choremos a dor, que abracemos os nossos filhos e netos, que
rezemos e que tenhamos sentimentos de amargura e de raiva. Mas não é menos importante tomarmos o futuro
nas nossas mãos e utilizarmos todos os nossos recursos para assegurarmos que
estes acontecimentos tenham menos ocorrência.
É que, segundo as estatísticas, infelizmente, durante as 72 horas
seguintes ao massacre da escola primária de Newtown, outras tantas pessoas
perderam as suas vidas em terras do tio Sam vitimas de armas de fogo.
Que
estendamos, com solidariedade, os nossos corações às famílias vitimas, mas que,
simultaneamente, ergamos as nossas vozes contra o perversidade das armas,
porque se não o fizermos continuaremos a morrer, particularmente as nossas
crianças e os nossos jovens continuarão a desaparecer. Há que acordarmos da nossa letargia
coletiva. É que ao contrário das
parvoíces que se diz por aí, particularmente na comunicação social conservadora
e ecoadas pelos menos informados nas plataformas sociais, as armas matam. Nos EUA matam 87 pessoas todos os dias. Na fatídica sexta-feira, 14 de Dezembro de
2012, mataram 20 crianças.
A
América chora. Que as lágrimas se
transformem em movimento aglutinador que provoquem mudanças na nossa sociedade
para hajam menos tragédias desta natureza, menos mortes, menos prantos. As
nossas crianças têm que viver numa América mais pacifica. É que como disse algures Nelson Mandela:
"devemos às nossas crianças, os nossos cidadãos mais vulneráveis, uma vida
sem violência e sem medo".
Fotos da Associated Press
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