Natal à Distância
Há 120 anos, um jovem com 20 anos de idade, nascido numa ilha no meio do
atlântico, criado na lavoura e numa família numerosa, um jovem que não sabia
ler ou escrever, passou, pela primeira vez um Natal fora de casa. Um Natal distante. Depois de 20 natais em casa com a família e
os amigos, este jovem da ilha Terceira, passou o Natal de 1900 num rancho da
Califórnia, trabalhando do nascer ao por do sol, sem a família por perto e sem
as novas tecnologias que hoje nos aproximam.
Quase sete décadas mais tarde, no ano de 1968, uma filha, genro, e dois
netos desse jovem, acabados de chegar da mesma ilha e vivendo num rancho, não
muito afastado do outro onde o pai, sogro e avô tinha vivido, passavam um natal
em solidão, longe de tudo e de todos e doloroso porque ainda sem os luxos das
comunicações da nova era. Porque sabiam ler e escrever, acompanhava-os as
cartas que levavam semanas para atravessar o atlântico e a imensidão do
continente americano. Os Natais à distância têm sido constantes na história do
povo dos Açores, com partidas e repartidas pelos Brasis e pelas Américas.
Hoje, com uma pandemia global, os açor-americanos, como a vasta maioria dos
povos no mundo ocidental terão de viver (ou pelo menos deveriam viver) um natal
à distância. Um Natal separados,
fisicamente, daqueles que nos são queridos, mesmo que vivam geograficamente
próximos. As entidades da saúde pública,
nos dois grandes países da nossa emigração (a de há mais de um século e a das
últimas quatro décadas do século XX), Canadá e Estados Unidos, pedem-nos
distanciamento físico, sugerem que usemos as novas tecnologias, desde os Zooms
aos Facetimes, para enviarmos os beijos e abraços natalícios. Apelam que vivamos a noite da consoada,
virtualmente.
Não é a celebração que todos nós queremos neste, ou em qualquer Natal. Mas os açorianos conhecem bem esta
realidade. Fomos embalados com despedidas
e com Natais. Como escreveu o poeta
Almeida Firmino: sempre vazio o teu lugar à mesa e a tua voz cada vez mais
distante. Muitos sem cartas, outros
com uma carta escrita semanas antes da época, e mais tarde, muito mais tarde,
pelo telefone e pela magia das mensagens radiofónicas que as estações de rádio
transmitiam, num passado não muito longínquo.
Mensagens que aqueciam os lares açorianos em ambos os lados do
Atlântico.
O Natal de 2020, será diferente. Para
os açor-americanos e açor-canadianos, de todas as gerações, conscientes da sua
história e do seu legado cultural, é apenas a repetição, adoçada com as novas
plataformas da tecnologia, de tantos Natais vividos pelos seus antepassados. A dramatização exibida em alguns segmentos da
nossa Diáspora, só nos mostra que nem todos estão conscientes das vivências do
nosso povo.
Nenhuma família quer viver um Natal à distância! A escolha determinará o nosso compromisso com
a nossa família, porque como tem sido dito: é melhor este Natal sem a
celebração em família, do que os futuros Natais sem um membro da família. A escolha, e o comportamento no seio das
famílias dos açor-descendentes, vivendo no continente norte-americano, também
determina o grau de distanciamento com que estão da sua realidade
histórica.
Boas Festas, que mesmo vindo de longe, e com o distanciamento social deste
Natal, contêm o sentimento único de uma saudade que nem sempre chora, mas que
sempre fez parte dos Açores e dos primos da América.
Diniz Borges
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