Para criar inimigos, não é
necessário declarar guerra,
basta dizer o que se pensa.
Martin Luther King
A
epígrafe apareceu no facebook, como
muitas coisas aparecem, algumas uteis e outras perfeitamente supérfluas e
muitas completamente patéticas. É assim
o facebook, e em geral, as novas
formas de se comunicar. Porém, na sua
totalidade são meios importantes e extremamente benéficos para a criação de um
mundo e de comunidades em progresso.
Criei alguma empatia com a frase de Martin Luther King, um dos meus
heróis do século vinte, porque através dos anos tenho, com as minhas humildes
crónicas, e as minhas opiniões a favor do progresso humano e de uma comunidade
de origem portuguesa mais integrada e mais aberta, criado, como é óbvio, alguns
inimigos. Mas diga-se que também tenho
feito muitos amigos. Porém, a verdade é
que com uns e com outros ainda acredito na nossa comunidade. Não tenho uma visão apocalíptica da mesma,
nem tão pouco me comove a saudadesinha
de um tempo já passado, que não foi assim tão bom. Nem vejo a comunidade a morrer como apregoam
vozes, quase sempre pertencentes a quem não se consegue ajustar às novas
comunidades que despontam à nossa beira.
A minha
história é análoga à de muita gente vinda dos Açores e que na Califórnia
plantou raízes. Vim dos Açores com 10
anos. Meu pai sonhava com as
"Califórnias perdidas de abundância" como nos diz Pedro da Silveira
no seu emblemático poema. Via o caso do
meu avô materno (o meu grande amigo que me contava histórias do far west
americano) que em 18 anos de América havia feito um bom pé de meia. Numa era em que uma casa e alguns terrenos
não dava para viver, meu pai, olhava para a América como um lugar onde se
vinha, durante alguns anos, para se voltar com os trocos necessários para, como
ele (meu pai) dizia: "endireitar a vida." Daí que, quando um tio meu,
de visita aos Açores depois de meia dúzia de anos de América, numa viagem de
saudade e de extravagancia, explica que a América é tudo o que dizem, e
mais. Que prefere estar na América a
ordenhar vacas do que na Terceira a ver uma tourada (é verdade, disse-o, na
minha frente), meu pai ficou pronto para dar o salto. E o projeto de meia dúzia de anos tornou-se,
tal como aconteceu com a maioria dos nossos emigrantes, numa vida em terras
americanas. Não só viveu na América
desde os 38 anos, como foi a sepultar nesta terra com a idade de 72 anos. Aqui está, para sempre.
Desde os
10 anos que a minha vida tem sido a América, e na América as comunidades de origem
portuguesa. Nas escolas, o meu mundo foi
sempre um mundo rodeado da nossa comunidade.
As várias escolas primárias e secundárias que frequentei eram o mundo
americano salpicado com tonalidades açorianas.
É que, como meu pai trabalhava na agropecuária, uma industria cujos
funcionários nas décadas de 1960 e 1970 eram maioritariamente emigrantes dos
Açores, as escolas que frequentava estavam repletas de filhos de emigrantes ou
de recém chegados como eu. Depois veio
o trabalho na ordenha das vacas, durante quase três anos, a passagem pelo
comércio, o gosto pela rádio em língua portuguesa e daí o envolvimento direto
na comunidade com a idade de 17 anos. E
tem sido na zona de Tulare, no centro-sul do vale de São Joaquim que tenho
trabalhado, estudado, festejado, chorado, enfim, vivido a minha vida de
ativista cultural dentro da comunidade e de humilde observador da mesma. Mas viver na, e com a comunidade, não impede
de estarmos presentes no mundo americano, de sermos plenos membros da sociedade
onde vivemos, onde plantámos raízes e as regamos com o nosso trabalho, a nossa
participação cívica e as nossas vivências culturais. É o que fazem as nova gerações.
Em
quatro décadas de América, rodeada de Açores por todos os lados, tenho visto as
mudanças que as nossas comunidades de origem portuguesa têm vivido. Tenho escrito sobre as mesmas. É sabido que as comunidades de hoje não são
as comunidades de ontem. Não o podem
ser. Não o devem ser. Mas não acredito que as comunidades estão
envelhecidas, as pessoas sim, e demasiados dos nosso pseudo líderes é que estão
velhos. As comunidades têm a capacidade
de se renovarem e vemos isso um pouco por toda a Califórnia. Não serão as mesmas comunidades do fim do
século XX e ainda bem, porque o mundo não é o mesmo, nem tão pouco a sociedade
americana é a mesma. Não se pode, nem se
deve pensar as comunidades portuguesas da Califórnia, com os olhos postos no
passado. As comunidades fazem-se de
formas múltiplas. O mal de muitos dos
nossos líderes é que ainda olham ao conceito de comunidades dentro de um
círculo muito fechado, de um paradigma completamente ultrapassado. Faz-se comunidade, e vive-se Portugal e os
Açores na Califórnia, todos os dias, e nas mais variadas formas e nos mais variados
lugares. Basta abrir-se os olhos e
querer ver que há outras formas de se ser e de se viver a comunidade muito além
dos moldes tradicionais, e alguns, sobrepujados.
Daí, eu
pecador, acreditar, veementemente, que as comunidades, apesar da falta de
liderança, e de alguns (sejamos honestos) maus líderes que tivemos, e ainda
temos, sobreviverão durante muitas décadas.
A metamorfose está aí. Em alguns casos estamos a aproveitá-la para a
mudança, em outros isso não acontece, mas todas resistirão. Acredito ainda que alguns dos dilemas que
tivemos, e temos, foram provocados por esses líderes e pseudo-líderes. Foi (ainda o é, infelizmente) mais do que
comum que alguns líderes mantiveram lideranças autoritárias. Diziam-se democratas mas não praticavam os
princípios da democracia. Houve lideres
que fizeram obra interessante, mas ao saírem da chefia, da posição de
presidente ou diretor, preferiram, ou abandonar por completo o projeto, ou
escolher e apoiar substitutos sem qualificações e sem visão, porque essa foi
(talvez ainda seja) uma forma de perpetuar a falsa aura com que se habituaram a
viver nas comunidades e para alguns, mais importante, a imagem apócrifa que cultivaram
em outras comunidades e até mesmo (muito mais importante para muitos) nos
Açores e Portugal Continental. Tivemos
fundadores que depois afundaram (ou tentaram fazê-lo) as organizações que
ajudaram a criar. E diga-se, a bem da
verdade, que tivemos excessivos líderes (será que ainda temos?) muito mais
preocupados com o próximo jantar, a próxima visita efémera de um político, a
próxima oportunidade de aparecerem no pódio com discursos circunstanciais e sem
qualquer inquietude sobre a construção de uma comunidade dinâmica e
multifacetada. E houve também (talvez
ainda haja) quem teve medo de homens e mulheres com outras visões, outra
abertura, outra dinâmica, outra liberdade e até os tentasse punir com
insinuações falsificadas e táticas perversas .
Conheço, perfeitamente, essas nojências, porque, como outras pessoas,
vivi-as na pele.
Mas a
comunidade é muito mais do que os nossos pseudo líderes querem ou gostariam que
ela fosse. Por cada pessoa que ainda diz
Amem aos sotainas de ontem há outras que escolhem, vivem e trabalham consistentemente
para a passagem, nas mais variadas vertentes, do nosso legado cultural no seio
da modernidade do mundo estadunidense.
Peço desculpa a muitos dos nossos dirigentes que ainda estão no século
XX, mas a comunidade de amanhã, que já está a construir-se hoje, mesmo que a
queiram acorrentar com ideias do passado não se deixará controlar e fará
comunidade, à sua maneira (e ainda bem), dentro do multiculturalismo
americano.
Eu,
pecador, acredito, que as novas comunidades, para desgosto de alguma gente, (assumida
e auto-erguida nos seus altares com pés de barro), continuarão a viver a sua
herança cultural com o seu passado histórico mas sem os apertos do pretérito.
Diniz
Borges
Junho de
2012
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