E lá se foi a KIGS
Em 1937,
ou seja 17 anos após José Vitorino ter começado (1920) o primeiro programa de
rádio em língua portuguesa na Califórnia, na cidade de Stockton, batizado com o
nome de Vasco da Gama, o casal Inácio e Margarida Santos começou em
Tulare o primeiro programa de rádio em língua portuguesa nesta zona da
Califórnia. O programa Portugal
teve grande sucesso e depois do casal Santos se aposentar, o programa
continuou, com direção e locução de Joe Silva, que o modernizou e deu-lhe um cunho,
e um estilo, bastante apelativo e de grande qualidade. Tal como escreveu o Professor Doutor Eduardo
Mayone Dias, no capitulo do seu livro A Presença Portuguesa na Califórnia,
em 1939, tínhamos 13 programas de rádio em língua portuguesa no estado da Califórnia.
E as cidades de Tulare/Hanford, e zonas circunvizinhas, tenham tido, ao longa
da sua história de comunidades de origem portuguesa, uma longa e profícua
relação com a rádio. Desde 1937,
portanto há 75 anos, que há rádio em português nesta zona. Isto até há poucas semanas, quando a KIGS, a
estação de rádio que transmitia em português 24 horas por dia, se silenciou. E
agora a rádio será diferente.
Cheguei
aos Estados Unidos da América em Outubro de 1968. Com dez anos de idade, o meu primeiro contacto
com a nossa rádio foi em casa dos meus tios, José e Maria Toledo, (ambos já
falecidos) quando sentados à mesa, após o jantar, ouvimos, em silencio total, o
programa Ecos do Vale do casal Joaquim e Amélia Morisson. Desde então que me tornei, particularmente na
minha juventude, um ouvinte e fã da rádio em língua portuguesa neste centro/sul
do Vale de São Joaquim. Ouvi-as
todos. Tinha as minha preferências e
anotava quase tudo do programa Ecos do Vale. Os Morisson's eram os meus ídolos. Tinham um português impecável, uma dicção
imponente.
Com 18
anos, e com a irresponsabilidade e a irreverência de se ser jovem, atirei-me à
rádio, e comecei, na estão KOAD de Lemoore, um programa de uma hora por semana,
aos sábados de manhã, com o título: A Voz do Emigrante Português. Daí passei para Tulare, para as estações KGEN
e uns meses depois para a KCOK, onde o dito programa, passou a transmitir aos
domingos entre as 6 e 7 da madrugada.
Com 20 anos de idade, e recém casado, a minha heroica e santa mulher, tinha
a paciência de se levantar comigo, todos os domingos, às cinco da manhã, para
irmos até à estação. Eu fazia locução e
ela atendia o telefone na secretaria.
Mais tarde veio a aventura da Rádio Aliança 80, em parceria com
Joe Silva e Aires Madruga da Silva. Um
momento marcante na vida da rádio portuguesa desta zona, quer pela sua
periodicidade (duas horas por dia), quer pela sua aposta numa programação
baseada na informação e na formação. Em
1982, entrei como um dos sócios (eramos dois) na rádio de circuito fechado: Rádio
Clube Comunidade. Um projeto
único, ao qual dediquei quase dois anos da minha vida, e durante os quais,
empobreci, economicamente, a minha família.
Em 1988, após uma ausência de cinco anos, apenas com alguma esporádica colaboração
com a minha falecida, mas jamais esquecida amiga, Idalina Melo, no seu Aurora
de Portugal, um dos programas mais populares aos domingos pela manhã,
voltei à rádio. Primeiro, com uma
brincadeira semanal chamada, Rádio Lusíada. Depois como um dos sócios-fundadores e o
diretor de programação da KTPB. Foi outra estação de circuito fechado, com a
presença de quase todos os programadores independentes e trabalhando, no começo,
12 horas por dia, passando mais tarde para, 24 horas por dia. Terminei essa aventura em Junho de 1993,
quando decidi inscrever-me no ensino superior para fazer a minha formação
académica, concluindo com um BA e um MA.
Porém,
ainda no fim de 1993, cometi o erro de ser usado pela KIGS, fazendo, por uma
mera gratificação mensal, um noticiário diário (segunda a sexta) com notícias
locais ea duração de 8-10 minutos. Digo
erro, porque fui usado, pelos responsáveis, para criar ainda outra clivagem
entre esta rádio e a KTPB. É que em
escassos meses foi me dito que não tinham dinheiro para me pagar. Já se vê o truque! Mais tarde, e por insistência do Padre Raul
Marta, quando estava na mesa diretiva do Centro Português de Evangelização e
Cultura fiz, mais uma vez de borla, e com a colaboração do Pde. Marta (nas
conversas divergentes que tínhamos) um programa chamado Dimensão 2000. Uma produção meramente cultural, que foi
riscada da programação porque, como me foi dito: a comunidade não queria
cultura.
Daí que
a rádio em língua portuguesa (como outras organizações comunitárias) tem sido
uma componente importante da minha trajetória no estado da Califórnia. A rádio fez parte intima da minha vida e,
para bem, e para mal, fez parte da minha família durante muitos anos. E nos últimos anos, particularmente na última
década, tenho sido um observador atento da nossa rádio. Com estas vivências, e com estas
experiências, sinto-me, perfeitamente à vontade, para dissertar e comentar o
estado da rádio em língua portuguesa nesta zona da Califórnia. É que com o silencio da KIGS, que poderá ser
apenas por pouco tempo, a comunidade local tem tido a rádio (ou a falta dela)
como tema de conversa. Culpa-se tudo e
todos. Atira-se pedras, mesmo quem tem
telhados de vidro. Diz-se que quem não
ouve rádio local é porque não quer, porque está por aí na Internet. Lamenta-se que já não haja rádio, mesmo por
quem nunca a ouvia. Alguns falam da
falta de qualidade que tinha, outros de uma rádio, com base em Hanford/Visalia,
ter virado as costas à comunidade local. Enfim, fala-se, até para não se estar
calado, como nos diz o provérbio popular.
O que é
certo é que lá se foi a KIGS, e, repito, por quanto tempo ninguém o sabe. O que é certo é que a comunidade, se quiser
ouvir algo local, pelo menos com algumas notícias dos eventos da comunidade de
Tulare e Hanford (e cidades limítrofes) terá que, ou ouvir os programas que
estão na NET, ou ir às missas e aos clubes.
O que também é certo, e sejamos honestos, é que estas duas pequenas
comunidades não têm o peso económico para manter uma rádio em português, numa
antena livre, 24 horas por dia. Nem tão
pouco há ouvintes que se justifique semelhante investimento.
A
realidade é que a KIGS não tinha anúncios (ou tinha pouquíssimos) e os únicos
que faziam alguns trocos eram os programadores independentes. A realidade é que a comunidade de
Tulare/Hanford (e quiçá muitas outras) está mais americana do que portuguesa, e
conta-se, pelos dedos de uma mão, as pessoas com menos de 50 anos a ouvirem,
religiosamente, todos os dias, e várias horas por dia, a rádio em língua
portuguesa. A comunidade está diferente
e a rádio, não a soube, ou não a quis acompanhar.
Compreendo
o nosso gosto nostálgico pelo tempo que passou e que não volta. Como humilde leitor do que se escreve sobre o
nosso estado de alma, a nossa idiossincrasia lusitana, aceito este nosso êxtase
pelo Sebastianismo. Mas neste caso, tal
como em tantos outros da nossa história, quer no nosso país da origem, quer nas
nossas comunidades, D. Sebastião não voltará, nem resolverá os nossos
dilemas. A comunidade de Tulare/Hanford
necessita, como já o fez em outros momentos da sua vida coletiva, de pegar,
como dizem em termos taurinos: o touro pelos cornos, e baseada na sua
realidade, tentar construir algo que possa servir as necessidades de termos uma
voz, que esteja connosco, e que saiba servir os interesses da comunidade mais
idosa e menos integrada e a mais nova e totalmente integrada.
Estou convicto
que isso só se fará se as associações quiserem trabalhar em conjunto, e se a
comunidade (com os seus líderes) quiser ser objetiva sobre si própria.
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